Imagine que cada um de nós somos células dentro de um grande ser. Cada um tem uma função, se alimenta, gera “trabalho”, sofremos mutações e alguns perdem o controle e viram câncer. Se formos células, um monte de nós é um órgão e os variados órgãos formam um corpo. Agora use um pouco mais a imaginação e pense na cidade que você mora como este corpo. Que tipo de pessoa seria? Um recém-nascido, um jovem, um senhor culto, um padre, uma senhora???
Coisa de doido né, mas foi este exercício que o professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva e a médica e presidente do Instituto Saúde e Sustentabilidade Evangelina Vormittag fizeram em artigo publicado na Scientific American Brasil de 2010.
Assim como outras metrópoles mundiais de países em desenvolvimento, eles afirmam que a cidade de São Paulo é uma Velha Senhora de 456 anos com saúde precária e condição próxima à falência múltipla de órgãos:
“Paciente do sexo feminino, com 456 anos, refere que se sentia compelida a ser uma das cidades que mais cresciam no mundo. Olhava com orgulho o brotamento de chaminés fumegantes e sentia prazer ao ver lhe percorrerem as veias minúsculos veículos motorizados e gente trabalhando incessantemente. Com o passar do tempo, e principalmente nos últimos 60 anos, relata ter perdido o controle da situação, engordado em excesso, excedendo seus limites geográficos com aparecimento de áreas de extrema pobreza (loteamentos periféricos e favelas). Isso faz com que despenda enormes quantidades de recursos, redesenhando seus limites e buscando soluções para problemas físicos e psíquicos que atingiam uma escala de difícil tratamento. Queixa-se de febre (aquecimento), calafrios e intensa sudorese (eventos extremos, chuvas, inundações, ventos fortes), falta de ar (poluição), entupimento de suas artérias que não permitem fruição do trânsito e dificuldade para eliminar urina (filtração-tratamento de água).
Exame mais detalhado sugere que se trata de paciente bipolar. Em alguns momentos apresenta-se estressada, deprimida e com baixa autoestima. Em outros, eufórica. Apresenta enorme vazio no centro, principalmente a noite, associado a um sentimento de despopulação central. Confusa, reconhece dependência química de uma droga, o petróleo. Apática, demonstra dificuldade de planejamento, desesperança, desamparo e preocupação com o futuro.
A velha senhora alega ainda episódios agudos de asma e surtos de pneumonia. Já teve alguns episódios de dor precordial (dor no peito) e infarto. Alimenta-se compulsivamente, apresenta má digestão, sensação de empachamento, eructação e flatulência há anos. Vivencia constantemente episódios de evacuação, prejuízo do saneamento básico, grande lançamento de efluentes e esgoto nos rios e disposição de resíduos sem aproveitamento. Acredita que possa ser acometida por vermes pela facilidade com que este quadro acarreta a proliferação de vetores causadores de doenças infecciosas. Sente muita sede, apresenta fraqueza e incapacidade de aproveitar as fontes energéticas de que dispõe. Aponta ainda perdas e desperdício de água.”
O artigo continua apresentando o diagnóstico melancólico desta senhora, com células mais pobres nas periferias, queda de cabelo (desmatamento), pele seca, espessa e escura por causa do asfalto, falta de ar e notório escurecimento do ar expelido.
“Acrescenta-se a tudo isso stress, depressão e confusão mental, que nos impedem de avaliar adequadamente a gravidade da situação, motivada pela deterioração de alguns de nossos neurônios dirigentes, intoxicados pelo pensamento imediatista de que a temperatura da Terra não irá se elevar mais que alguns centésimos de grau até as próximas eleições. Finalmente, temos de admitir a impotência frente a esse estado de coisas.
A CIDADE ESTÁ DOENTE, E DOENTES FICARÃO MILHÕES DE SEUS HABITANTES SE FOR MANTIDO O ATUAL CENÁRIO.”
Tudo leva a um triste resultado: a morte iminente com a falência múltipla de órgãos.
Com está a cidade que você mora? Como morador de São Paulo, já estou procurando uma funerária.
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