segunda-feira, 24 de maio de 2010

Uma senhorinha quase morrendo


Imagine que cada um de nós somos células dentro de um grande ser. Cada um tem uma função, se alimenta, gera “trabalho”, sofremos mutações e alguns perdem o controle e viram câncer. Se formos células, um monte de nós é um órgão e os variados órgãos formam um corpo. Agora use um pouco mais a imaginação e pense na cidade que você mora como este corpo. Que tipo de pessoa seria? Um recém-nascido, um jovem, um senhor culto, um padre, uma senhora???
Coisa de doido né, mas foi este exercício que o professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva e a médica e presidente do Instituto Saúde e Sustentabilidade Evangelina Vormittag fizeram em artigo publicado na Scientific American Brasil de 2010.
Assim como outras metrópoles mundiais de países em desenvolvimento, eles afirmam que a cidade de São Paulo é uma Velha Senhora de 456 anos com saúde precária e condição próxima à falência múltipla de órgãos:
“Paciente do sexo feminino, com 456 anos, refere que se sentia compelida a ser uma das cidades que mais cresciam no mundo. Olhava com orgulho o brotamento de chaminés fumegantes e sentia prazer ao ver lhe percorrerem as veias minúsculos veículos motorizados e gente trabalhando incessantemente. Com o passar do tempo, e principalmente nos últimos 60 anos, relata ter perdido o controle da situação, engordado em excesso, excedendo seus limites geográficos com aparecimento de áreas de extrema pobreza (loteamentos periféricos e favelas). Isso faz com que despenda enormes quantidades de recursos, redesenhando seus limites e buscando soluções para problemas físicos e psíquicos que atingiam uma escala de difícil tratamento. Queixa-se de febre (aquecimento), calafrios e intensa sudorese (eventos extremos, chuvas, inundações, ventos fortes), falta de ar (poluição), entupimento de suas artérias que não permitem fruição do trânsito e dificuldade para eliminar urina (filtração-tratamento de água).
Exame mais detalhado sugere que se trata de paciente bipolar. Em alguns momentos apresenta-se estressada, deprimida e com baixa autoestima. Em outros, eufórica. Apresenta enorme vazio no centro, principalmente a noite, associado a um sentimento de despopulação central. Confusa, reconhece dependência química de uma droga, o petróleo. Apática, demonstra dificuldade de planejamento, desesperança, desamparo e preocupação com o futuro.
A velha senhora alega ainda episódios agudos de asma e surtos de pneumonia. Já teve alguns episódios de dor precordial (dor no peito) e infarto. Alimenta-se compulsivamente, apresenta má digestão, sensação de empachamento, eructação e flatulência há anos. Vivencia constantemente episódios de evacuação, prejuízo do saneamento básico, grande lançamento de efluentes e esgoto nos rios e disposição de resíduos sem aproveitamento. Acredita que possa ser acometida por vermes pela facilidade com que este quadro acarreta a proliferação de vetores causadores de doenças infecciosas. Sente muita sede, apresenta fraqueza e incapacidade de aproveitar as fontes energéticas de que dispõe. Aponta ainda perdas e desperdício de água.”
O artigo continua apresentando o diagnóstico melancólico desta senhora, com células mais pobres nas periferias, queda de cabelo (desmatamento), pele seca, espessa e escura por causa do asfalto, falta de ar e notório escurecimento do ar expelido.
“Acrescenta-se a tudo isso stress, depressão e confusão mental, que nos impedem de avaliar adequadamente a gravidade da situação, motivada pela deterioração de alguns de nossos neurônios dirigentes, intoxicados pelo pensamento imediatista de que a temperatura da Terra não irá se elevar mais que alguns centésimos de grau até as próximas eleições. Finalmente, temos de admitir a impotência frente a esse estado de coisas.
A CIDADE ESTÁ DOENTE, E DOENTES FICARÃO MILHÕES DE SEUS HABITANTES SE FOR MANTIDO O ATUAL CENÁRIO.”
Tudo leva a um triste resultado: a morte iminente com a falência múltipla de órgãos.
Com está a cidade que você mora? Como morador de São Paulo, já estou procurando uma funerária.

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